Retrospectiva 2020: o ano que transformou a Educação

08/01/2021 13:34

A pandemia da covid-19 virou de cabeça para baixo a vida de professores e alunos. Três educadores de escolas públicas relembram os momentos mais marcantes, as surpresas e os ensinamentos que tiveram com a nova rotina e deixam seus conselhos para 2021

POR:

Victor Santos
Site Nova Escola 

Crédito: Getty Images

O final de março de 2020 marcou o ponto de virada de um ano escolar que começou como outro qualquer e que viveu uma transição súbita para o ensino remoto. A pandemia transformou tudo: as escolas fecharam; a comunicação com os alunos e com as próprias famílias passou a ser mediada por aplicativos e mídias sociais; inúmeras estratégias criativas foram implementadas por professores e alunos para seguirem com as atividades, e nesse processo, muitas ferramentas e aplicativos foram incorporados às rotinas escolares.

O processo, no entanto, envolveu muito desgaste físico e emocional. Afinal, a pandemia escancarou a desigualdade de acesso à internet no país, obrigando muitas escolas a investirem também em estratégias off-line; e a carga de trabalho dos educadores se multiplicou, levando os professores a perturbações envolvendo sua saúde mental.

No âmbito político educacional, as coisas também foram agitadas. Com uma gestão marcada por polêmicas, Abraham Weintraub deixou o cargo de Ministro da Educação em junho. Seu quase sucessor, Carlos Alberto Decotelli, teve sua nomeação cancelada antes mesmo de assumir a função, após a revelação de inconsistências em seu currículo. O cargo acabou, então, nas mãos de Milton Ribeiro, que é teólogo, advogado, doutor em Educação e pastor presbiteriano, e que tomou posse em julho.

Já no Legislativo, as movimentações se deram por conta da aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o novo Fundebem agosto. A vigência do fundo, cuja verba é essencialmente utilizada para pagamento de salários de professores, custeio de formação docente, transporte escolar, material didático e construção e manutenção de novas escolas, expirava neste ano. Agora, o Fundeb está devidamente incorporado à constituição, e não possui mais data-limite.

Nesse meio tempo, as escolas brasileiras continuavam de portas fechadas. No restante do mundo, alguns países iniciaram processos de reabertura -- uns malsucedidos, como foi o caso de Israel, e outros mais cautelosos, como China, Coreia do Sul e França. No Brasil, o Amazonas se tornou o primeiro estado a retomar as aulas de forma parcial, iniciando o processo no final de julho. Ainda assim, as escolas da maior parte do país seguem fechadas até o final de 2020 -- e as redes encerram o ano discutindo como se dará a avaliação de aprendizagem. Em retrospectiva desse ano intenso, um diretor e dois professores que vivenciaram na pele a transição de uma escola presencial para uma dinâmica remota elencam os momentos marcantes de 2020. Confira abaixo:

Os desafios transacionais que foram superados 

 

Professora de Língua Inglesa na EMEB Maria Angélica Lourençon, em Jundiaí (SP), Arabelle Calciolari ficou receosa com o que a transição da sala de aula para o ensino remoto poderia significar para a prática da sua disciplina. “Fiquei bem preocupada porque a minha aula é muito oral, são muitas atividades tanto de escuta quanto de fala”. Considerando que apenas as atividades impressas não fossem suficientes para o ensino de inglês, a solução foi começar a gravar vídeos que dialogavam com as propostas do livro didático.  “Eu pedia para que eles ouvissem, repetissem e completassem alguma atividade do livro, ou que me retornassem com áudios e vídeos pequenos”, relata. “Isso deu muito certo, e os pais também elogiaram muito, porque eu faço a atividade e a correção dos exercícios nesse mesmo vídeo”.

Mas incluir os vídeos entre os materiais criados pelos docentes não foi tão simples na nova rotina. “Tinha que elaborar o PPT, gravar a aula, e depois editar o vídeo. Esse começo foi desesperador”, revela Luiz Felipe Lins, que leciona Matemática para Ensino Fundamental 2 na EM Francis Hime, no Rio de Janeiro (RJ) e foi um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 de 2020. Nas aulas ao vivo, mais desafios ainda. “Na primeira aula, eu quase quebrei a câmera, não focava, e ficava uma luz no meio do quadro”, relembra o educador que contou com o auxílio remoto da sua sala. “Os meus alunos me ajudaram muito. Eles me falavam coisas como ‘já baixou o manual da câmera?’, ‘desprograma o foco’, ‘coloca um abajur do lado’. Foram dicas fundamentais para ir acertando o processo”.

Já o diretor da EE Doutor Pompílio Guimarães, em Leopoldina (MG), João Paulo Pereira Araújo relata que a partir da realidade de sua escola, a opção da gestão foi não trabalhar com conteúdos on-line, e realizar a entrega constante de materiais impressos pessoalmente para os alunos. “Então, o que houve, no nosso caso, foi uma certa insegurança, uma angústia de como seria feita essa entrega de casa em casa. Aos poucos, essa sensação foi acabando quando vimos que estava tudo sob controle”.

O momento mais marcante

 

A consolidação da rotina de entregas de materiais foi também o momento que o diretor João considera mais marcante no ano. “Foi quando, depois de uns dois meses de trabalho, avaliamos que tudo estava fluindo, e que o nosso planejamento deu certo”, comenta o gestor que comemora que o ano letivo será finalizado em janeiro com o mesmo fluxo de participação dos alunos nas entregas de atividades do que no início da quarentena.

As devolutivas também têm espaço reservado nas lembranças de momentos marcantes para a professora Arabelle, que propôs uma pesquisa sobre hip hop em parceria com a professora de Educação Física. A aula sobre o tema foi dada ao vivo pelo Google Meet  -- plataforma que ela estava usando pela primeira vez. E, se a educadora tinha dúvidas em relação ao sucesso da atividade síncrona, a recepção dos alunos que acessaram não poderia ter sido melhor. “Um dos estudantes, inclusive, pediu para apresentar a pesquisa sobre hip hop que ele fez, usando muito bem o recurso de apresentação do Meet e toda a tecnologia que ele tinha. Ficamos emocionadas e vimos que o projeto, mesmo remotamente esse ano, estava funcionando”.

No caso de Luiz Felipe, é difícil não mencionar a conquista do título de Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10 como momento inesquecível de 2020. “Foi a minha maior realização. O problema foi que, por conta da pandemia, eu não pude não estar com os alunos para nos abraçarmos, nos jogarmos no chão, e pularmos de alegria”, comenta.

As gratas surpresas da nova rotina

 

O contato mais direto com os pais e familiares, um dos grandes desafios desse 2020, acabou também trazendo surpresas agradáveis para a professora Arabelle. "Alguns pais reconheceram a necessidade do professor estar presente com o aluno. Então, a gente recebia alguns recados muito carinhosos, do tipo ‘nossa, como vocês fazem falta’”, lembra. “Algumas mães também me falaram que aprenderam muitas coisas em inglês porque estavam assistindo as coisas junto com as crianças, e isso foi muito legal”.

A surpreendente proximidade maior com os estudantes, ainda que mediada por telas, foi também uma grande surpresa para o professor Luiz Felipe. “Os alunos tiveram muito carinho com a minha ignorância tecnológica; incentivado por eles, me reinventei e consegui elaborar aulas com recursos incríveis”, conta. Essa relação tão próxima acabou reforçando os laços, e emocionando o professor. “Na última aula, eles me perguntaram se teríamos aula em janeiro – ao contrário das aulas presenciais, em que eles torciam para que as férias chegassem. Acredito que essa diferença é porque 2020 foi marcado por afeto, carinho e acolhimento”.

Para o diretor João Paulo, de Leopoldina (MG), não foi diferente e, entregar pessoalmente os materiais impressos, permitiu que ele ampliasse o olhar para a comunidade que lidera. “Visualizei de perto as condições das estradas rurais, por exemplo, e pude também conhecer a situação de muitas famílias. Ao longo desse processo, identifiquei ainda mais a importância da escola como elo emocional para os alunos”.

Os ensinamentos de 2020

 

“Acho que foi o momento de deixarmos de lado tudo o que a gente sabia e acreditava e se renovar”, diz a professora Arabelle. Luiz Felipe concorda: “É preciso reconhecer que somos eternos aprendizes. Só eu sei como sofri para aprender a usar tantos recursos, então como posso querer que o outro aprenda tudo?”, questiona o professor, já trazendo nessa reflexão um dos grandes ensinamentos desse ano. “Além disso, aprendi a estar mais atento a cada um dos meus alunos, não só no ambiente escolar, mas no contexto em que vivem, e entender o que esperam da vida”.

O olhar para a realidade dos alunos é também um caminho sem volta na visão do gestor escolar João Paulo. “Aprendemos que, cada vez mais, é necessário esse olhar para o território. Olhar para esses alunos e ver aonde eles moram, quais as suas possibilidades, desejos, expectativas… Dessa forma, podemos construir uma escola que vá além do conteúdo e que prepare para a vida”.

Conselhos para 2021

 

E quais os conselhos que esses profissionais dão para os seus colegas que igualmente ‘penaram’ e se reinventaram nesse ano de 2020? “Ainda estamos aprendendo a lidar com a tecnologia, mas, na nossa profissão, o negócio é buscar se aprimorar sempre. Então, meu conselho é esse: amar [o que fazemos], estudar muito e correr atrás”, recomenda Arabelle.

Já o professor Luiz aconselha que é preciso refletir sobre quais aprendizagens são significativas, sempre olhando para a particularidade do seu grupo. “É preciso respeitar as individualidades e o tempo de cada um, e incentivar as potencialidades. A escola deve acolher, respeitar, escutar, oportunizar e transformar”.

Para 2021, João Paulo acredita que é preciso ter esperanças, acreditar e agir. “Continuar acreditando que a Educação é o caminho, continuar tendo esperanças de que tempos melhores virão, e lutar para que realmente a Educação possa ocupar o espaço que ela precisa ocupar, para que possamos construir um Brasil mais desenvolvido, justo e igualitário”, conclui o diretor.

 

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